Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ao narrar as lembranças de um defunto, Machado se revela o mestre dos mestres do realismo fantástico. No entanto, a genialidade do autor vai mais longe. Ele tece, nesta obra-prima, uma crítica aos costumes, à esfera político-social e à economia da época.
O protagonista, um tanto inusitado, vai serpenteando por suas memórias sem qualquer cerimônia, desrespeitando qualquer convenção social ou narrativa. Ele se recusa a seguir uma ordem cronológica lógica. Surpreende o leitor ao interromper a história e, de súbito, navega por devaneios e acontecimentos paralelos, retomando em seguida, com rara maestria, o fio da trama.
Machado se vale de uma fina ironia para retratar seu universo, o Segundo Reinado no Brasil (1840-1889). Brás Cubas é o símbolo mais perfeito dessa sociedade, um malandro parasita. Embora bacharel, não avança no campo profissional, sobrevive das rendas familiares, alimentando-se de planos não realizados.
Cínico e zombeteiro, Brás é fruto de uma educação relapsa. Desde cedo, acredita que o mundo pode e deve-se curvar aos seus desejos. Boêmio, segue colecionando amores, sem assumir maiores compromissos. Até apaixonar-se perdidamente por Virgília, antiga namorada, agora casada com Lobo Neves, um político influente.
Mais que amor, o protagonista nutre pela amante uma paixão inflamada, um desejo de transgredir regras e convenções, as quais jamais respeitou, um sentimento de posse, como se ela fosse um dos bens que ele disputa com a irmã e o cunhado, após a morte do pai.
Há episódios muito divertidos ao longo da obra, já que Brás retrata suas memórias de uma perspectiva debochada e bem-humorada. Ele reflete um pouco sobre os eventos, às vezes até tentando revesti-los de uma maior seriedade, mas depois segue adiante, deixando para trás suas digressões filosóficas.
Assim é, por exemplo, seu reencontro com o amigo de infância, Quincas Borba. O protagonista se choca ante a transformação da antiga criança arrogante e ambiciosa em um adulto maltrapilho. Porém, seu projeto de transformar a vida do colega dura apenas alguns minutos. Ao mergulhar nos braços de sua amada, qualquer plano mais sóbrio se dilui.
É assim que Brás leva sua vida, desde a infância até a morte, quando idealizava mais um empreendimento. Hipocondríaco nato, ele planejava criar um emplasto que aliviaria a dor da Humanidade. Mas não pense o leitor que ele se redimiu. Brás também pensava nas vantagens econômicas que o emplasto lhe traria.
Ao narrar sua história do ponto de vista de um defunto, Brás transcende a vida terrena, posiciona-se além das críticas e julgamentos de qualquer pessoa viva. Enquanto resgata seu passado, age como narrador-observador. E pode livremente transitar por sua história, sem se preocupar com regras ou formalismos.
O protagonista morre como viveu, solitário, um solteirão convicto. Parte para o além em 1869, aos 64 anos, numa chácara do Catumbi, um bairro do Rio de Janeiro. Em sua cerimônia fúnebre, apenas onze pessoas. Entre elas, sua irmã Sabina e Cotrim, seu cunhado. Além, claro, da misteriosa mulher que marcou sua vida.
Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra universal e atemporal. Ainda hoje, desfilam por aí inúmeros Brás Cubas, buscando benefícios econômicos e seus cinco minutos de fama, sem importar-se com a dor alheia, voltados apenas para si mesmos, como Narcisos modernos. Leitura indispensável, como diversão, ou para compreender a História de nosso país.
Leia e releia este clássico da literatura brasileira, com notas de rodapé que auxiliam a leitura!
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